Entrevista com Mirian Dualibi , do Instituto Ecoar
Mirian Dualibi é coordenadora do Instituto Ecoar que ajudou a fundar em 1992. É jornalista, autora de diversos livros e artigos; reconhecida internacionalmente pelos seus projetos socioambientais. Nessa entrevista ela conta um pouco de como está a Amazônia.
Marina Silva em seu site publicou um texto em que relata que a Amazônia está vivendo um Holocausto. Ela afirma que o Governo Bolsonaro está realizando uma barbárie ambiental. Como a senhora avalia esse texto e o Governo Bolsonaro com relação à Amazônia e o meio ambiente no Brasil?
Miriam Duailibi : Há um consenso entre cientistas, ambientalistas, políticos comprometidos com a preservação da floresta e todos aqueles que estudam as questões ambientais que a destruição da Floresta Amazônica é uma catástrofe, um crime contra a humanidade e as próximas gerações. O governo Bolsonaro tem uma visão muito limitada e reducionista da Amazônia, parece desconhecer os serviços ambientais imensuráveis e essenciais que a floresta presta ao equilíbrio climático do Planeta, além da imensa biodiversidade que abriga, o que por si só, já contribui enormemente para a manutenção do equilíbrio ecológico do Planeta.
São Paulo registrou uma chuva negra que foi avaliada por duas universidades Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Municipal de São Caetano (USCS). A primeira identificou presença de reteno, substância proveniente de queimada, já a segunda identificou fuligem 7 vezes maior que o normal. Como a senhora avalia esse impacto ambiental negativo que trouxe a água da chuva para a cidade de São Paulo?
Miriam Duailibi: Foi uma evidência inequívoca do mal que as queimadas podem fazer para muito além das regiões onde elas se dão. As queimadas sempre existiram, especialmente no bioma cerrado, seja pela escassez de chuva nesta época do ano, seja pelo fogo provocado pelos agricultores para “limpar” a terra para novos cultivares ou pasto para o gado, prática antiga infelizmente ainda muito usada no país.
Mas na Floresta Amazônica, bioma muito úmido, onde a floresta é preservada ela não queima. As queimadas só acontecem devido ao desmatamento, ou seja, trata-se de uma prova irrefutável do aumento das áreas desmatadas nos estados da Amazônia. É tanto fogo que a fumaça chegou até São Paulo, trazendo a noite no meio da tarde.
O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pretende rever 334 reservas ambientais que poderão ter seus traçados revistos ou serem até extintas. Como a senhora consegue analisar essa revisão por parte do Ministro Ricardo Salles?
Miriam Duailibi: Trata-se de uma catástrofe. Se estamos tendo abusos de toda sorte, desmatamento ilegal desenfreado, ocupação criminosa de terras indígenas e de proteção ambiental, mesmo com a existência das reservas ambientais, se elas forem suprimidas ou diminuídas, o dano será ainda muito maior.
Não é possível compreender como um Ministro de Meio Ambiente que deveria, por atribuição legal, defender o ambiente, faz o jogo daqueles que insistem em um modelo de desenvolvimento predatório, próprio da década de 1970, totalmente em desuso no mundo civilizado.
Se o atual governo insistir nesta política insana, o Brasil vai perder investimentos, os produtores rurais vão sofrer boicote internacional à carne, frango, cacau, sucos etc. E o governo irá perder ainda mais, sua credibilidade em todo o mundo democrático.
O Governo anunciou que vai ressuscitar a MP 876 que muda as regras do Código Florestal. Com essa medida em vigor, os proprietários rurais não terão mais a exigência de recompor matas e florestas, deixando assim a terra desmatada. Existe a possibilidade dessa medida não ser aprovada? Caso passe, existe como mensurar o impacto negativo que essa medida pode trazer?
Miriam Duailibi: Os protestos contra essa tentativa de destruir o Código Florestal além de encontrar eco em cientistas, populações tradicionais, estudiosos e ambientalistas, se alastra até mesmo no campo do moderno agro negócio brasileiro está bastante preocupado com essas tentativas de destruir o arcabouço de proteção ambiental desenvolvido no país desde a redemocratização, porque conhece os perigos embutidos na medida e teme a reação internacional do mercado e os prejuízos que certamente advirão.
Não respeitar e nem recompor a reserva legal significa fragilizar muito as condições de vulnerabilidade dos solos e dos recursos hídricos, especialmente em tempos de mudanças climáticas severas já em curso.
O Inpe foi acusado de revelar à mídia dados de focos de queimadas antes de passar pelo governo, causando um desconforto, e no final da história, a exoneração do presidente do Inep o senhor Ricardo Galvão. Bolsonaro desqualificou os dados e revelou que contrataria uma empresa particular para realizar novas pesquisas. É possível o Inpe ter errado tanto em suas pesquisas a ponto do presidente contratar outra empresa?
Miriam Duailibi: Não é possível, o INPE faz um trabalho muito qualificado, respeitado e admirado em todo o mundo. O atual governo parece querer fazer de conta que os dados não existem. Lamentável.
Territórios indígenas estão sendo invadidos por garimpeiros levando medo e terror às aldeias. Existem vários relatos de confrontos e garimpagem ilegal, sendo que várias reportagens já denunciaram a exploração e o aumento dessa prática. Como o Governo poderá impedir esse avanço nas terras indígenas, maltratando tanto nossa fauna e flora?
Miriam Duailibi: O governo precisa fazer exatamente o contrário do que vem fazendo ao longo de sua gestão, a saber, mandar mensagem claras que invasões de terras indígenas, garimpos ilegais, contaminação dos rios, desmatamentos e queimadas não serão por ele tolerados. Aumentar a fiscalização na área, trabalhar junto (e não contra) com os órgãos públicos que combatem estas práticas ilegais, que mapeiam o território e avisam o que lá se passa, como o Ibama, o ICMBio, o INPE, as ONGs que atuam na Amazônia com muita competência e expertise, as Universidades, as entidades internacionais. Ao invés de declarar guerra a estas instituições o governo deveria se aliar a elas e mostrar ao mundo que a sua gestão entende que o Brasil é uma potência ambiental e, portanto, tem uma enorme responsabilidade pela preservação de condições equilibradas da biosfera. Esta condição pode proporcionar investimentos de grande monta no país, como o Fundo Amazônia, gerar milhares de empregos no desenvolvimento de tecnologias limpas e práticas sustentáveis, agregar valor aos produtos brasileiros.
Mas para tanto é preciso que o atual governo perceba que não se pode andar para trás na história. Que o mundo mudou, que estamos em 2019 e não na década de 1970.
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