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Entrevista com sociólogo e Major Leonardo Hirakawa

A entrevista desse mês é com o sociólogo e Major da PMERJ do estado do Rio de Janeiro Leonardo Hirakawa. O sociólogo e Major é responsável pela pesquisa da seletividade nas abordagens policiais, e a contribuição dos aspectos organizacionais para a [re]produção do racismo. Nessa entrevista o sociólogo e Major contribui para uma reflexão em pró de uma sociedade mais próxima do que se vive em nosso dia a dia. Com vocês o sociólogo e Major Leonardo Hirakawa!    

A polícia como um todo retomou a normalidade das suas operações depois da pandemia. Qual seria a sua análise dessa retomada pós pandemia?

Hirakawa: Em que pese todas as questões sanitárias exigidas no período de pandemia, a corporação não cessou suas atividades, todos os tipos de policiamento ostensivo foram mantidos, sofrendo, infelizmente, as baixas de policiais, por ocasião da Covid-19. Assim, com o advento da ADPF 635, creio que a importância do cultivo dos Direitos Humanos nas operações em comunidades carentes tenha emergido de um contexto de esquecimento.

Muitos sociólogos propagam a tese de uma cidade partida, ou um estado ao meio. Como o senhor interpreta essa tese? Vivemos em um estado dividido entre o crime e ideia de uma cidade maravilhosa?

Hirakawa: O termo “Cidade Partida” não é propriamente uma tese sociológica, advém de uma obra do jornalista Zuenir Ventura, de 1994. Nela, ele relata a divisão da cidade entre cidadãos e bandidos. Apesar de ser um grande trabalho de cunho informativo, mantendo uma solidez inquestionável, creio que quando os sociólogos e outros cientistas sociais utilizam este termo, referem-se a algo maior e mais concreto na teoria das ciências sociais, por exemplo: o processo social de formulação de estereótipos e estigmas, a divisão socioespacial por caracteres de raça e classe, o alcance de políticas públicas de bem-estar social, etc. A meu ver, a dicotomia cidade maravilhosa e crime ou, como Zuenir defendeu, bandidos e cidadãos, é mais uma panaceia para explicar o mal-estar diante de algum problema social específico. É um reducionismo aplicado à uma complexa realidade como a nossa. Vivemos em uma sociedade que é fragmentada por natureza. As pessoas e as instituições são hierarquizadas e disciplinadas para uma classificação social inconteste. Se pensarmos em como o racismo se aplica no cotidiano, poderemos enxergar uma série de nuances em pares opositivos, por exemplo: orientação sexual x raça; raça x classe social; classe social x orientação sexual; religião x orientação sexual… Por isso, seria impossível, no contexto de segurança pública, afirmar que o crime rivalizaria sozinho com a ideia de Cidade Maravilhosa.   

Em palestras recentes no círculo Militar na Rio Branco, o comandante do BOPE relatou o aumento das Milícias dentro do Estado. Com essa afirmação do comandante e com o crescimento dos processos criminais em Câmara direcionada às Milícias, o senhor consegue visualizar o futuro do crime organizado aqui no Estado do Rio de Janeiro?

Hirakawa: Creio que estabelecer um futuro para o crime organizado seja uma tarefa um tanto quanto difícil, quase metafísica. O que posso dizer, enquanto policial e sociólogo, é que num contexto histórico não tão distante, a organização de grupos criminosos foi moldada pela sua relação com o próprio Estado. Alguns crimes foram mais relevados e outros não. Basta ver o jogo do bicho em si. Nas décadas dos anos 1980 e 1990 estas quadrilhas eram fortemente combatidas pelo Estado, hoje nem tanto. Talvez, numa realidade simbólica, a milícia seja a atividade criminosa do momento. Não significa, entretanto, que um dia a milícia deixará de existir ou não, apenas que deixou de ser monitorada, por não oferecer em si um “perigo” para o Estado. As ferramentas de acompanhamento e de judicialização são voltadas para determinadas atividades criminosas, derivando da seletividade que tem o aparato do Sistema de Justiça Criminal brasileiro. Basta vermos como o roubo de cargas entrou no radar da segurança pública do Rio de Janeiro, quando em 2019 incluiu-se esta categoria como meta prioritária de redução criminal. Esta iniciativa vislumbrou acalentar aos grandes empresários que desejavam se afastar do estado, por conta das constantes perdas financeiras ocasionadas pelos roubos de cargas.  

Muitos sociólogos acreditam que em pouco tempo a Milícia tomará as comunidades da Zona Sul Carioca. O senhor também acredita nessa previsão? E qual seria a tese para embasar esse pensamento?

Hirakawa: Não! Em matéria de ciências sociais não existe previsões ou profecias. Creio que o passado deve dar embasamento para o presente, relacionando-se dialeticamente na busca por um futuro melhor. A milícia somente será um problema futuro se assim o Estado quiser, através de incompetência ou ajuste oficioso. Não podemos deixar de perceber que o crime organizado, neste caso a milícia, tem sua função social, tem seu estatuto de ordem social. Por vezes, conforme vimos no início da milícia, algumas entidades políticas sustentavam o argumento da autoproteção, defendendo, inclusive, a existência dos grupos armados na zona oeste da cidade. Como disse nas frases iniciais desta resposta, o futuro só pode ser determinado se for analisado diante de práticas passadas e do preparo para as crises vindouras. Logo, acredito que não haja um interesse do Estado, por agora, de diferenciar a milícia dos traficantes. Tratando todos eles como mero criminosos em busca de espaço ilegal.    

O livro Manual de Direitos Humanos de 2022 deixa claro que, “A construção da cultura de respeito aos direitos humanos nunca será efetiva se o direito nacional não for pensado.”  Como o senhor analisa esse pensamento na visão de um profissional da área de segurança?

Hirakawa: Acredito que a letra fria da Lei, através da Constituição, já adere ao respeito aos direitos humanos. Entretanto, nosso grande problema é operacionalizá-lo num ambiente colonizado, precarizado e patrimonialista. Estas características, aderidas ao pensamento brasileiro, através dos processos sociais de formação da identidade nacional, impossibilitam qualquer garantia individual aos direitos humanos. O principal desafio para o profissional de segurança pública é equilibrar estes dois desejos: o patrimonialismo e o racionalismo republicano

Sobre Josué Bittencourt (1073 artigos)
Josué Bittencourt, carioca, pós- graduado pela faculdade Cândido Mendes. Atua no mercado com sua empresa Arte Foto Design é proprietário do site de conteúdo Linkezine. Registro Profissional: MTb : 0041561/RJ

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