Entrevista com Paulo Salomão
Paulo Salomão é Vice – Presidente do STJD e atua no tribunal há uma década. Ele tem uma visão própria do futebol e de como o torcedor deve se comportar dentro e fora do estádio. Nessa entrevista ele fala de alguns pontos, como torcida, tecnologia no futebol e doping.
Por Josué Júnior
O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportivo), de posse da uma nova diretoria, está com o pensamento de sair dos holofotes. E em se tratando de futebol, é algo quase impossível. O que o torcedor pode esperar desse novo pensamento?
Paulo Salomão: Na realidade, esse pensamento sempre existiu nesses quase dez anos em que atuo, que é o de não ser o protagonista, mas sim de aparecer o mínimo possível. Na gestão anterior, em que eu fazia parte do pleno, essa já era a ideia, mas muitas vezes os elementos que estão diretamente envolvidos com o esporte (a saber, com os clubes os atletas) acabam tornando o tribunal um protagonista involuntário. E aparecer mais que os artistas do espetáculo, que são os jogadores, nunca foi e nunca será o desejo do tribunal. Desde sempre, temos na cabeça que o tribunal serve para que as regras sejam cumpridas e valem para todos, mas que sempre que possível se priorize o elemento esportivo o resultado de campo.
Existem muitas torcidas organizadas espalhadas pelo Brasil. Como é possível dar um tratamento diferenciado a um torcedor comum que vai ao estádio com o seu filho para torcer onde existe uma torcida organizada, que quase sempre está lá para arrumar briga? Cito aqui o episódio de Brasília do jogo Flamengo e Palmeiras, onde as duas torcidas brigaram. Nessa situação o senhor aplicou uma pena dura para ambas torcidas, dando assim também uma punição para aquele torcedor que vai ao estádio com sua família para se divertir.
Paulo Salomão: Essa responsabilidade pelo ato dos torcedores é do clube. Uma responsabilidade internacional e baseada no código da FIFA. A ideia é que o clube que tenha o bônus do seu torcedor, que é quem movimenta o esporte com sua paixão e gera renda, também tenha seu ônus, em razão do ato desses seus torcedores. É assim em qualquer lugar do mundo; é assim na Europa, quando atos racistas de torcedores geram punição ao clube; é assim na Comebol; é assim na Libertadores e aqui no Brasil não é diferente. Na verdade, tem que haver um pouco de mudança de paradigma porque os clubes, através de seus dirigentes, seja em uma questão política ou por uma questão interna da própria agremiação, possuem uma relação umbilical com os torcedores organizados, que ao invés de só torcerem ainda geram prejuízos com a utilização de símbolos do clube sem pagar royalties. Eles ainda prejudicam as famílias e os torcedores de bem que vão aos estádios. Os limites de competência do STJD são restritos e limitados às competições, fazendo com que os clubes com punições aos seus dirigentes percebam que tem que haver um controle efetivo da violência. Deveria existir um controle preventivo para que esses maus torcedores não frequentassem mais os estádios.
O Senhor apoia o uso de novas tecnologias para auxiliar a arbitragem? Caso sim, qual delas poderia ser a melhor para que as polêmicas pós-jogos não ocorram?
Paulo Salomão: Eu entendo que as tecnologias para auxiliar a arbitragem são caminhos já estabelecidos pela FIFA e naturalmente vão se desenvolver, porque já se mostraram um sucesso em outros esportes. No futebol, o caminho que a FIFA está adotando é o de usar câmeras para auxiliar em alguns lances capitais das partidas. Ao contrário do que os críticos dizem, que o jogo vai parar muito e que vai ser prejudicial à dinâmica do esporte, eu entendo que vai ser muito benéfico e diminuir essas polêmicas que não ajudam em nada, que só servem para criar mais teorias conspiratórias onde não existem.
Quando a causa tem um apelo público fica difícil o julgamento? Cito aqui o caso da Portuguesa, que em 2014, no campeonato Brasileiro, escalou errado e perdeu os pontos adquiridos, criando uma atmosfera desfavorável para o Tribunal.
Paulo Salomão: A questão da Portuguesa foi um caso paradigmático, muito mais por conta das circunstâncias que envolviam, pois era a última rodada do campeonato e envolvia o rebaixamento de um clube que, a princípio, todos os torcedores têm um apreço e era considerado o segundo time de muitos torcedores, ou seja, um clube simpático, em detrimento de um clube que já teve envolvimento com questões envolvendo o tribunal. Mas a questão jurídica que envolvia a situação era muito simples e os precedentes que envolviam a matéria sempre foram consolidados, no sentido de que os casos análogos ao do atleta Everton, que gerou punição ao clube por infração ao artigo ao qual ele foi denunciado e gera a pena de perda de pontos independente se o atleta entrou 5 minutos no campo ou ficou no banco de reservas. Isso o tribunal julgou mais de cem vezes, só que não gerou tanta repercussão, porque no campeonato em decorrência dos pontos corridos, havia uma atmosfera de clamor popular muito grande, mas volto a frisar, a questão jurídica era muito simples, tanto que o clube foi punido. (Tanto a Portuguesa, quanto o Flamengo, no caso do André Santos foram punidos em primeira instância por unanimidade. foram cinco auditores punindo os clubes e no pleno, foram oito votos a zero pela punição.
Como é possível educar o torcedor que xinga o jogador, que comete crime de racimo e produz baderna, causando assim diversos transtornos? O clube precisa fazer a sua parte ou é necessário leis mais duras para punir esse atos?
Paulo Salomão: As leis já existem, o que precisa são as autoridades públicas aplicarem a contento. O próprio estatuto do torcedor prevê sansões aos torcedores, aos maus torcedores. Enfim, mas em um estado que infelizmente, em um sentido geral, em um país onde muitas das vezes crimes gravíssimos como um homicídio, um latrocínio, chegam em 80%, 90% dos casos a sequer serem investigados. Em um Estado em que há tantas mazelas, infelizmente esse tipo de atitude dos torcedores, não sofre as punições pelas autoridades públicas.
Outro assunto extremamente delicado é o uso de doping pelos jogadores. Quando um atleta é pego e julgado, acredita que ele aprendeu a lição? Agora, quando o caso fica recorrente, não seria o momento de se criar uma outra estratégia, onde a punição também iria para o clube?
Paulo Salomão: O estatuto da FIFA que regulamenta o doping e também o estatuto da WADA, que é o estatuto antidoping do COI, preveem punições. E no futebol, que é um esporte coletivo, há uma visão menos rígida do doping porque temos que analisar o contexto em que o atleta está inserido. Muitas vezes ele não recebeu educação em casa ou ele tem uma educação deficiente e não necessariamente nos casos de doping, chegam ao tribunal querendo tirar benefícios. Mas isso porque fez uso da automedicação e foi pego ou tomou um suplemento não regulamentado que continha uma substância proibida. Agora, quando há um problema endêmico do clube, existe sim a responsabilização do clube, mas pelo menos na minha experiência e participação no Tribunal, são raríssimas as vezes em que isso o correu e quando ocorre o clube deve e merece ser punido.
Nos casos de doping que chegam ao tribunal, pode-se dizer que o jogador de futebol tem 80% de conhecimento do uso indevido do medicamento para melhorar o seu rendimento? Explique como ocorre.
Paulo Salomão: A própria CBF, através do seu Departamento Antidoping, tenta fazer palestras educativas nos clubes e os médicos realizam visitas aos clubes para isso. Eu não sei te falar se seria 80%, porque em muitas vezes que esses casos acontecem são doping por drogas que são consideradas “drogas sociais”, geralmente maconha, cocaína e outras, não necessariamente drogas que aumentam o rendimento. E também pode ocorrer resultado cruzado de suplemento alimentar contaminado em laboratórios não credenciados, que foi o caso do nadador César Cielo. Enfim, o caso Cielo foi um exemplo do que pode ocorrer, ou tem a ocorrência da automedicação, não necessariamente para melhorar o rendimento, mas em razão da ignorância do atleta ou do desconhecimento dele e por não perguntar para seu médico.
Nesse último episodio, onde todos viram a torcida do Corinthians agredir Policias Militares em pleno Maracanã e o fato do advogado do Clube não reconhecer o ato, não te parece um “passar a mão na cabeça” de uma torcida organizada já com antecedentes? Isso não poderia acarretar em incentivos à violência dentro de campos de futebol pelo Brasil?
Paulo Salomão: Vou me abster a responder porque esse caso pode ser julgado por mim. Não posso dar opinião sobre o caso específico. Agora falando em tese, qualquer ato de dirigentes que sejam incentivadores da violência, evidentemente, devem ser coibidos e banidos. Não digo que seja esse caso especifico do Corinthians , mas acho que dirigentes enquanto lideres, têm que dar exemplo, e têm que ser os primeiros a condenar atos de violência, e isso é o mínimo que se espera dos dirigentes.
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