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Entrevista com a Psicanalista Lícia Magno Lopes

“ Josué, É um prazer falar com você. Nas questões que você me encaminhou, aparecem dúvidas de muitas pessoas. Então é uma oportunidade de tentarmos esclarecer alguns pontos sobre o autismo e seu tratamento   sob a ótica da Psicanálise.” (Psicanalista Lícia Magno Lopes)

Esse mês de Abril comemora-se o dia Mundial de Conscientização do Autismo, e por essa razão Linkezine entrevistou a Psicanalista Lícia Magno Lopes, membro da Escola Letra Freudiana para falar um pouco sobre o Autismo. A Psicanalista também atende em seu consultório casos de Autismo. Com vocês a Psicanalista Lícia Magno Lopes!   

Foi estabelecido o dia 2 de abril como sendo o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Quais foram os avanços que a Psicanálise construiu para conseguir tratar o autismo sem tantos sobressaltos para o paciente?

Lícia: O dia da conscientização do autismo criado em 2007 pelas Nações Unidas evoca para as pautas de discussão a necessidade de conscientização do portador de autismo como alguém que não deve ser discriminado ou segregado do contexto social em que vivemos. No entanto, alguns cuidados nesse diagnóstico precisam ser tomados para que o mesmo não seja banalizado. Ou seja, para que qualquer dificuldade do desenvolvimento da criança não seja interpretada como um quadro de autismo.

A questão do diagnóstico é bem complexa, já que, por outro lado, sabemos que quanto mais cedo a intervenção de um trabalho profissional, mais possibilidades de resposta do paciente, sublinhando aí a importância do diagnóstico precoce.

Há certas organizações no ser humano que tem um tempo para se constituírem.  Um tempo precioso que diz respeito a ligação daquele sujeito com o outro. Isso tem a ver com os primórdios de todos nós falantes. Parte-se, num tratamento psicanalítico, desse tempo inaugural em busca de maiores e melhores possibilidades de estruturação de uma criança.

 O autismo que foi inicialmente estudado, no século passado, por Kanner, em suas formas mais severas, trouxe a nós, na atualidade, o entendimento de que o paciente que não olha, não fala, recusa contato, tem movimentos estereotipados, pode   se encontrar nesse quadro. No entanto, não é porque se observa um desses fenômenos numa criança que comprova-se que há um autismo. Considera-se autismo quando a relação de um sujeito, em sua entrada na linguagem deixa muitas sequelas acarretando em sérios danos psicológicos por toda a vida.

Podem estar presentes aqueles comportamentos, ou não, já que alguns desses pacientes chegam a funcionar com alto rendimento, diversas aptidões, etc., e no entanto, o laço com o outro pode estar para sempre comprometido.

A forma mais prejudicada de um autismo é a evitação do contato com o outro pela recusa das palavras. A fala pode estar afetada em diversas modalidades, e essa é uma grande questão. O que acontece quando um falante não fala? Porque nesses pacientes se constituiu uma posição autista frente ao outro?

No meu conhecimento não há um único estudo científico reconhecido que identifique a genealogia do autismo na ordem biológica.  E isso é importante   para nos afastarmos dos grandes interesses dos laboratórios.

 Para a psicanálise nos tornamos sujeitos da linguagem porque fomos inseridos nessa existência banhados pelo mundo das palavras. Não há um pensamento ou ideia ou até a observação de uma paisagem que possa escapar das palavras. Como seres falantes essa é nossa aptidão para viver no mundo. Se algum tropeço se estabelece na delicada e complexa entrada na linguagem o sujeito fica condenado a ser prisioneiro desse umbral, não lhe sendo permitido ter acesso à uma estrutura que é a de linguagem e que lhe dá ferramentas e possibilita a entrada no mundo das relações humanas. Algo se congelou no autismo, deixando o paciente numa recusa, como enigma da existência.

O que chamamos sujeito, é aquele que pode lidar com seu desejo, seu pensamento, fazer laços sociais. É o que está na base de qualquer tratamento psicanalítico. Longe de treinar ou adestrar um paciente, a psicanálise recorre aos próprios recursos que são expressos por cada um e dali constrói uma ponte para a vida de relação. Não se pode “ensinar” a viver. Você percebe claramente na direção de cada tratamento psicanalítico que o paciente vai se humanizando no sentido de ir buscando contato. Começa a chamar, olhar, pedir, nomear, sorrir…. Muitos autistas estudam, fazem faculdade, conseguem se manter, se profissionalizar. Conhecemos casos de autistas famosos, e até daqueles que buscam a fama se dizendo autistas- essa é a nossa atualidade!

Claro que não há uma possibilidade de um paciente deixar de ser autista. Sua constituição o colocou na vida dessa forma singular mas certamente   e eu creio nisso, a psicanálise   pode lhe oferecer recursos, o habilitar a ter melhores respostas nessa vida.

Hoje se fala muito em tratar o autismo com a canabidiol, para melhora dos sintomas, e muitos psiquiatras e neurologistas utilizam esse medicamento com regularidade em pacientes TEA. A medicação contínua diminui os sintomas de crise, a agressividade e melhora a qualidade do sono e o foco do paciente. Como você vê a validade dessa medicação em pacientes com esses perfis apresentados?

Lícia: Olha, o capítulo da medicalização é realmente uma abertura à questionamentos. Você sabe que não há ” O medicamento ” para autismo.  Ninguém se cura do autismo. Os sintomas de cada sujeito precisam ser avaliados pelo profissional médico e medicados caso a caso. Não é porque o canabidiol vem tendo bons resultados em vários quadros que justifica essa prescrição para todo autista. Esse pode ser o sonho dourado dos laboratórios mas não é assim. Não podemos falar de uma hegemonia de prescrição. Cada paciente autista tem suas características singulares como qualquer outro paciente.  É muito confortável e positivo num tratamento de um paciente autista quando o médico e o analista se escutam para   adequar as necessidades daquele sujeito à medicação. Em que situações aquele paciente se torna hostil, ou se recolhe do contato, ou se mutila, ou não dorme, ou emudece? Volto a sublinhar: não há medicação para curar autismo. O que se deve tratar clinicamente é de sintomas como em qualquer outro ser humano.

As terapias baseadas na modificação de comportamentos inadequados para se obter comportamentos socialmente mais adequados, buscam ajudar indivíduos com TEA a serem inseridos em nossa sociedade. Como esses métodos melhoram a qualidade de vida destes pacientes? E qual deles você indicaria para um paciente com TEA?

Lícia: O tratamento de um paciente autista, muitas vezes implica um rol de profissionais. Por exemplo, uma criança que ficou anos sem falar pode precisar da ajuda da fono para uma melhor resposta de seu aparelho fonador. Fono, Terapia Ocupacional, Musicoterapia, Psicopedagogia, podem ou não, serem indicados em cada caso, e a cada tempo. Podem ter função muito importante no tratamento.  É preciso avaliar. O contato com a Escola também se torna um capítulo especial.

  Assim como não há “o remédio “obrigatório do autista, todo tratamento precisa ser avaliado. É importante o psicanalista trabalhar com outros profissionais nessa busca do melhor para o paciente.

É evidente que uma família que lida com um autista, sabe muito bem e sofre com situações de difícil controle. Muitas vezes eles gritam, tem comportamentos agressivos, se descompensam, e a solução rápida, é a sonhada pelos responsáveis cansados das situações conflitivas e dos olhares recriminatórios a que estão constantemente expostos. Mas há que ter cuidado. Nem todo tratamento irá possibilitar uma resposta de sujeito, alguém capaz de refletir sobre os próprios atos. Uma criança apática que responde como robô à regras e sinais aprendidos não é o que se espera de um sujeito. Pode ser que a família se torne menos angustiada quando a criança   não chamar tanta atenção mergulhada que está num adestramento. Mas nunca vamos nos esquecer que o autista é um ser humano e palavras, sentimentos e desejos devem fazer parte de seu mundo. Esse é o corte que a psicanálise promove. Tratar o autista numa dimensão de sujeito.

Lícia, você acredita que o uso, temporário e pontual da medicação, é uma condição para que o tratamento ocorra de forma auxiliadora para a família e o paciente? E para o tratamento que você utiliza, ajuda no processo?

Lícia: Como esta é a sua segunda pergunta sobre medicação imagino que estejamos diante de uma discussão pulsante.

 A resposta aqui é: cada caso é um caso e precisa ser muito bem avaliado.

Não se cura autismo com remédio.

Um paciente criança ou adulto pode ser encaminhado para ser medicado ou não; avalia-se os benefícios e malefícios. Mas não se esqueça que não há medicação sem efeito colateral. Essa é a avaliação que o médico do caso precisa fazer. Quando você me diz que a medicação pode ser benéfica para a família e paciente, é porque você conhece a dimensão do sofrimento das famílias.  Desejam apagar os sintomas que trazem aborrecimento a todos. É legítimo esse desejo, mas é preciso avaliar se será o melhor caminho para aquele paciente.

Você acha que os diagnósticos aumentaram porque houve uma melhora na precisão destes, ou porque está havendo um excesso de diagnósticos?

Lícia: Sobre a questão do excesso de diagnósticos já mencionei anteriormente. Até que ponto se banaliza esse diagnóstico por diversos profissionais encobrindo-se outras patologias? E tem o lado que você menciona, sim. Muitas crianças e adultos que eram enquadrados no adjetivo “esquisitos”, na verdade podem ter hoje o diagnóstico de autistas. Os estudos permitiram.

Ainda se pensa sobre esse excesso. Um caminho foi alargar-se a terminologia para um espectro autista. Para mim, no entanto, permanece a questão. Podemos alargar a discussão com algumas reflexões. Estamos vivendo numa era até então desconhecida pela humanidade, dos aparelhos eletrônicos, era essa onde os contatos são subtraídos em nome da tecnologia virtual. Esse é o fenômeno, o que se observa, mas as crianças são atualmente distraídas e acalentadas por essa via artificial. Penso que seja preciso avançar nessa investigação.

A lei Romeu Mion garantiu para o autismo alguns benefícios que antes eram difíceis, para você o que faltou na lei que poderia ser melhorada ou revisada?

Lícia: A lei Romeu Mion visa benefícios no campo pessoal e social para tais pacientes, evidentemente. A sensibilidade que temos que ter, é o que sinaliza o dia 2 de abril: cuidado para que não tenham uma vida discriminada e segregada pelo fato de serem autistas. Não é fácil para o ser humano tratar da inclusão do diferente. O autismo está sempre nos convocando a pensar na sua complexidade.

Sobre Josué Bittencourt (1073 artigos)
Josué Bittencourt, carioca, pós- graduado pela faculdade Cândido Mendes. Atua no mercado com sua empresa Arte Foto Design é proprietário do site de conteúdo Linkezine. Registro Profissional: MTb : 0041561/RJ

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